Nem Alaphilippe, nem Valverde, nem Sagan, o campeão mundial 2019 chama-se Mads Pedersen, dinamarquês de 23 anos da Trek. Mas a grande protagonista foi a UCI – União Ciclista Internacional, que, num golpe de genialidade, escolheu Yorkshire, no Reino Unido, como casa de uma competição abençoada pela chuva.
Não há, quem siga ciclismo e gosta de espectacularidade em duas rodas, que não se revolte com a organização dos Campeonatos Mundiais de Ciclismo 2019. Dá vontade de perguntar: Reino Unido no final de Setembro? Estavam à espera do quê? Sol resplandecente e 30 graus? Certamente que não. Mas atenção, se a ideia era gerar quedas, furos a cada dois quilómetros e pneumonias, aí, estimada UCI, foste perfeita. Só que isto não é trail, nem ciclocross, e estes ciclistas estavam aqui para os mundiais de estrada, sabiam?
É que isto mesmo em Julho ia ser complicado. Para já porque ser Julho ou Setembro em Yorkshire não é muito diferente, e depois porque as estradas estreitas, de constante sobe-e-desce, por entre a sempre húmida vegetação britânica, podia bem causar estragos constantes. Bom, estamos a exagerar, provavelmente as estradas iam estar menos escorregadias e, se calhar, pós-almoço, ainda víamos aquele sol tímido a fazer das suas.
Mas isto são possibilidades remotas, portanto, UCI, há que aceitar, há sítios que não foram feitos para receber provas de desporto internacional, sobretudo pela instabilidade da sua meteorologia e sabes que mais? Não há problema nenhum nisso. A não ser que tu ganhes alguma coisa com isso, coisa que diria que é pouco provável, não é? Exacto.
Pensemos que à boleia do mau tempo, que já havia interferido nas corridas de juniores e sub23, masculinos e femininos, se cortaram logo as duas subidas mais duras da prova. E isso significou logo à partida menos 20 km, de 280km passámos para 260km. Mais dez quilómetros de corrida neutral – portanto antes da partida oficial, com carro de prova à frente do pelotão – isto porque só nesse período em que ninguém pode atacar houve logo problemas mecânicos devido ao mau estado do pavimento.
E, literalmente, não parou de chover, ao ponto de só terem aparecido imagens de helicóptero, tão essenciais para a transmissão televisiva de qualquer prova de ciclismo – quanto mais do mundial –, a cerca de 50 quilómetros do fim. E já não vamos falar do banho constante a que os ciclistas estiveram sujeitos durante seis horas e vinte sete minutos. É como se se estivesse na banheira à espera que parem de mexer na água durante seis horas, mas sem conseguir desligar a torneira, já imaginou? Horrível.
Assim tanto, sim, ao ponto de apenas 46 dos mais de 200 participantes terem conseguido terminar a prova. Alejandro Valverde, campeão do ano passado, desistiu ainda bem cedo na prova e assim que chegou ao hotel disse: “Isto é de loucos, estou gelado”. Ele é que foi esperto, aos 39 então, cházinho e mantinha, não há cá jogos olímpicos de inverno em cima do selim, era só o que faltava.
Isso é para gente mais nova, claro, como Mads Pedersen, o jovem e robusto dinamarquês que nem sequer teve uma grande época, mas que alcança assim a camisola arco-íris contra todas as expectativas.
A verdade é que teve a valentia de saltar com o suíço Stefan Kung para a frente, foi ganhando segundos ao pelotão. Recebeu primeiro a companhia de Mike Teunissen, depois do também holandês e grande favorito Mathieu Van der Poel, que saltou para a frente, com medo que já não lá chegasse, com Trentin e Moscon, dois italianos, na sua roda. E Van der Poel, uma das grandes estrelas do ciclismo mundial do momento, estava certo.
O pelotão nunca mais lá chegaria. Só que ele perdeu, para choque generalizado, as forças a 15 quilómetros do fim, depois de dar tudo para o grupo onde ia vencer. Quando todos achavam que o sprinter Trentin ia vencer com tranquilidade na recta da meta, eis que a força de Mads Pedersen se fez sentir e num sprint violento e cheio de confiança acabou com a concorrência.
Tudo para dizer que foi um mundial desastre para a UCI, a proporcionar mais sofrimento ao ciclismo do que espectáculo ao público. E, sim, os ciclistas têm que estar habituados a condições adversas, daí a reservar talvez o momento alto da época a um temporal com rodas furadas e quedas…
Faz lembrar uma outra competição desportiva mundial a decorrer neste momento, onde os interesses económicos parecem estar acima da segurança dos atletas. Viva o dinheiro, Doha a quem doer.